Episódio inusitado foi vivenciado pelo criminalista paulistano Flávio Grossi na quarta-feira, 11. O advogado, para cumprir sua missão, viu-se obrigado a participar de audiência virtual da cama de um hospital, após o juiz José Álvaro Machado Marques, da 4ª Auditoria da Justiça Militar do Estado de São Paulo, indeferir pedido de redesignação, mesmo após o causídico apresentar declaração médica indicando seu real estado clínico.
Entenda o caso
Grossi figurava como assistente de acusação em processo que envolve ação da PM em um bloco de carnaval. São quatro crimes imputados a sargento da polícia, e o advogado representa duas vítimas no processo.
Após audiências presenciais serem adiadas devido à pandemia da covid-19, o encontro virtual foi agendado para 11/11, conforme publicado no Diário de Justiça Militar de SP, com o fim de realizar oitiva de testemunha e interrogatório do réu.
Aproximando-se da data da audiência, o advogado foi internado e apresentou petição urgente informando ao juiz que tem asma severa e que, após exame que constatou graves lesões em ambos os pulmões, teve de ser internado imediatamente sem previsão de alta. Confira trecho da petição do advogado.
"Após urgentes exames laboratoriais e de imagem, a equipe médica constatou a existência de graves lesões em ambos pulmões do Peticionário, que podem indicar infecção pelo Sars-CoV-2 (chamado corononavírus), causador da Covid-19. Tendo em vista que sou portador de asma severa, a conduta médica mais adequada foi a internação imediata, sem previsão de alta (doc. 01). (...) Muito embora a audiência aprazada seja virtual, parece-me pouco profissional e desrespeitoso com todos os presentes a participação do ato em quarto de hospital, fazendo uso de aparelhos e medicações que atrapalham a fala e raciocínio. Além, as vítimas habilitadas como Assistentes de Acusação podem se ver prejudicadas."
Todavia, a resposta do juízo, feita por e-mail, foi que de que a audiência seria mantida.
O advogado informou, em seguida, que participaria a audiência, mesmo hospitalizado, em uso de oxigênio e medicações constantes, não sem deixar de lamentar que "percalços inerentes ao trabalho sejam mais importantes que a saúde deste causídico".
Resposta do tribunal
Após pedido de esclarecimento por esta redação sobre o episódio, a assessoria de imprensa do TJMSP informou o seguinte:
"O juiz não acatou o pedido do advogado, pois a audiência estava marcada há mais de 10 dias e o pedido foi feito há 3 dias. O advogado atua como assistente de acusação e tem como assistente, a advogada Dra Vivian Marconi da Silva. Foi permitido ao advogado fazer as perguntas por escrito e enviadas à Promotoria ou à sua assistente, porém ele preferiu fazer diretamente do hospital utilizando da tecnologia para participar da audiência."
OAB
A OAB/SP emitiu nota pública informando que já está em contato com o advogado e, após as devidas apurações, adotará as medidas cabíveis e necessárias para salvaguarda dos direitos e prerrogativas da advocacia no episódio.
A seccional ressaltou que "uma vez apresentada e justificada a impossibilidade da realização do ato processual em decorrência de internação hospitalar, pelo advogado regularmente constituído nos autos, de rigor a suspensão e/ou adiamento da audiência designada, em cumprimento à normativa do CNJ".
"Da mesma forma, o artigo 1.004 do Código de Processo Civil, que tem aplicação subsidiária no processo penal militar, tem previsão expressa permitindo a suspensão de prazos por motivos de força maior. Já seu artigo 313, inciso I, prevê a possibilidade de suspensão do processo pela perda da capacidade processual de qualquer das partes, de seu representante legal ou de seu procurador."